Quem conta a história é o grande escritor russo Fiódor Dostoievski,
em seu livro Recordações da casa dos
mortos. O autor descreve a vida de prisioneiros na Sibéria. Seus algozes
não se contentavam apenas em mantê-los privados de liberdade. Queriam
enlouquecê-los. A partir da sádica intenção, alguém teve uma ideia terrível:
construir duas piscinas. Uma ficaria cheia d’água, outra, vazia. O trabalho dos
prisioneiros seria transferir o conteúdo de uma para outra. Com baldes de
água. Continuamente. Sem tréguas. Dia
após dia. Não que fosse uma tarefa
árdua, executada a duras penas. Mas se estendia por semanas, meses, anos... sem
que nenhum dos detentos soubesse o porquê. De fato, algo enlouquecedor. Não por
causa do cansaço, da transpiração, da repetição, do caráter forçado do
trabalho. O que enlouquecia os prisioneiros era a falta de significado no
trabalho.
Está bem! Vamos deixar de lado o exemplo trágico e cair na real:
você tem ideia de quantas pessoas executam seu trabalho sem saber o porquê, a razão, para que serve, para quem serve? Repetem todos os dias aquela enfadonha rotina, o mesmo
conjunto de tarefas e afazeres sem um sentido claro nem um destinatário. É um
trabalho destituído de alma. Insipiente e insosso. Sem saber. Sem sabor. Um
tipo de loucura, portanto.
Quando o significado se
expressa
Em sã consciência, todo mundo deseja um trabalho com significado.
Mas, o que torna um trabalho significativo? O significado está nos olhos de
quem vê ou na natureza do trabalho?
Há quem acredite que alguns trabalhos são mesmo destituídos de
significado. Por sua própria natureza. Veja os exemplos do que traz significado
para o trabalho e comece a tirar suas próprias conclusões.
Algumas pessoas enxergam significado no trabalho, quando este faz
uso dos seus conhecimentos. Especialistas em determinados assuntos gostam de
ser procurados para resolver problemas que exigem sua expertise. Para esses, o
significado do trabalho tem a ver não só com a utilidade do que sabem, mas
porque quanto maior foi o desafio a enfrentar, mais expandirão seu saber.
Assim, o significado que os move é o aprendizado contínuo e cada vez mais
aprofundado.
Têm também os inovadores, aqueles que gostam de inventar. Para
eles, o trabalho tem significado quando usa seu talento e sua criatividade. Por
isso, sentem-se trazendo algo novo para o mundo. O significado está nas descobertas
e inovações.
Para outros, o trabalho é como um chamado. Não conseguiriam fazer
qualquer outra coisa senão aquela. É como se, ao nascer, fossem destinados
àquele ofício ou profissão. Uma espécie de predestinação, relacionada a vocação
e dom.
Em todos esses exemplos é possível reconhecer uma das dimensões do
trabalho, a potencial. Essa dimensão é acionada quando quem realiza o trabalho
utiliza suas potencialidades, seja no domínio do conjunto de conhecimentos e
habilidades, seja quando coloca em prática seu talento criativo, seja quando
vive sua vocação.
Outros enxergam significado quando reconhecem que o trabalho serve
a algo ou alguém. Gostam de saber que, graças ao que fazem, algo mudará no
mundo: uma nação será libertada, um passarinho será devolvido ao seu ninho, uma
criança reconhecerá o amor paterno ou materno, um idoso vai se livrar das dores
nas pernas, um pai de família conquistará sua empregabilidade etc.
Nesse exemplo, entra em cena outra dimensão do trabalho, a causal.
O que traz significado ao trabalho é que ele serve a um propósito, uma causa.
Penso que quando o filósofo Thomas Carlyle disse “abençoado é
aquele que encontrou seu trabalho; que não peça nenhuma outra bênção”, se
referia às pessoas autorrealizadas que conseguiram conectar a dimensão
potencial com a causal. Bem-aventurados!
Onde está o problema?
Ora, diante de tantos exemplos e oportunidades para colocar
significado no trabalho, porque boa parte das pessoas vive como que
transferindo água em baldes de uma piscina para outra, todos os dias, numa
tristeza que parece não ter fim?
Sim, o trabalho tem outra dimensão importante: a econômica. Essa
dimensão trata da tarefa, do processo e das recompensas extrínsecas obtidas com
o trabalho. É claro que essa dimensão é importante, afinal é o que materializa
o trabalho em uma obra acabada. Mas é aí que mora o problema. Essa dimensão, a
econômica, não pode se sobrepor às outras duas, a causal e a potencial. Sempre
que isso acontece, o caldo entorna e o significado do trabalho se reduz.
O problema da dimensão econômica é que ela reforça o que e não o quem. Com isso, quando ela prevalece, as dimensões humanas
(potencial e causal) perdem a força. A perda de força elimina todo o
significado.
Líderes e algozes
O saudoso Peter Drucker dizia que “90% do que nós chamamos de administrar
consiste em dificultar as coisas para as pessoas”. Trocaria a segunda parte da
frase para “... eliminar o significado do trabalho das pessoas”. Parece que é
isso que empresas e líderes mais fazem. É uma pena, pois a ausência de
significado no trabalho repercute direta e negativamente nos resultados.
As recompensas materiais suprem a necessidade física das pessoas;
o reconhecimento e o afeto suprem a necessidade psicológica; mas é o
significado que supre a necessidade espiritual. O significado é que coloca alma
no trabalho. Para a sanidade de todos!
Roberto Adami Tranjan
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